Samurais são um tipo de figura histórica que ecoa na mente ocidental como caubóis muito mais honrados e poderosos. Frios, destemidos, inabaláveis.
Pelo menos pra mim, que cresci em meio a um boom de elementos culturais orientais, como mangás, animes e filmes feitos no Japão, não é difícil se ver vítima do extremo fascínio que esses guerreiros exercem.
Sua forma de pensar, tanto quanto o visual característico, é objeto de estudo e está presente em uma extensa literatura.
Esse é um texto que vi no blog Barking Up The Wrong Tree, de autoria de Eric Barker. Traduzimos e publicamos na íntegra, pra quem também admira o pensamento dos samurais.
Aprendendo com os samurais: o segredo de sempre estar pronto para tudo, por Eric Barker
Estava lendo alguns livros escritos por samurais, e algo que se repetiu várias vezes me surpreendeu.
Não tem nada a ver com espadas, luta ou estratégia. Na verdade, se pensarmos bem, é até o oposto disso.
O que tantos dos maiores guerreiros da história enfatizaram como sendo chave para o sucesso e o melhor desempenho?
“Ficar calmo.”
E não foi só um samurai aleatório que mencionou isso de passagem.
Estamos falando sobre os maiores samurais que já viveram escrevendo a respeito ao longo de quinhentos anos:
Shiba Yoshimasa (1349-1410):
Em particular para guerreiros, podemos considerar como a principal arte da guerra acalmar a própria mente e ser capaz de discernir a mente dos outros.
Suzuki Shosan (1579-1655):
Quando você consegue dominar a própria mente, você domina as múltiplas preocupações, se eleva acima de todas as coisas, e se liberta. Quando você é dominado pela própria mente, sobre você recai o fardo de múltiplas preocupações, e você se torna subalterno das muitas coisas, incapaz de se elevar. “Cuide de sua mente; a resguarde sem hesitação. Uma vez que é a mente que confunde a mente, não deixe que ela ceda a si própria.”
Kaibara Ekken (1630-1714):
Um nobre controla a frivolidade com seriedade, espera pela ação num estado calmo. É importante que o espírito esteja integrado, com o humor estável, e a mente inamovível.
Adachi Masahiro (1780-1800):
A mente imperturbável é o segredo da guerra.
E, é claro, o homem talvez considerado o maior samurai de todos, Miyamoto Musashi, em seu clássico “Livro dos Cinco Anéis“:
Tanto ao lutar quanto na vida cotidiana, você deve ser determinado, ainda que calmo. Vá de encontro à situação sem tensão, mas também sem desleixo, com o espírito estável, mas sem prejulgamentos.
Ninguém precisa realmente fazer propaganda do valor da calma.
Conhecemos seus benefícios: com ela pensamos claramente, não tomamos decisões precipitadas, não nos assustamos facilmente.
Mas COMO se ficar e permanecer calmo?
Nossa sociedade está num ciclo de notícias de 24h, embebida em energéticos, com um Starbucks em cada esquina, e incansáveis linhas do tempo de mídias sociais. GO GO GO.
E até mais curioso que isso, a maior parte do que sabemos sobre relaxar e ficar calmo está totalmente errada.
Os samurais tinham as respostas. E elas se alinham com as da ciência. Vamos a elas.
O guia científico do samurai para se ficar de boa
O samurais treinavam muito as artes marciais, e pensavam muito sobre a morte.
Sério, eles pensavam MUITO sobre a morte.
O “Código dos Samurais: Uma Tradução Atual dos Bushido Shoshins” diz:
Aquele que se considera um guerreiro tem como sua preocupação principal manter em mente a morte, a todos os momentos, dia e noite, da manhã do dia de ano novo até à noite da véspera do ano novo.
E você naquela situação também pensaria, não é mesmo? A morte basicamente estava na descrição de funções dos samurais.
Mas uma pesquisa mostra que treinar muito e imaginar que o pior pode acontecer são duas técnicas poderosas para promover a calma.
Os samurais treinavam sem parar. Acreditavam muito em sempre se estar “preparado” (eram escoteiros mortais).
Outra pesquisa mostra que a preparação reduz o medo já que quando as coisas ficam tensas, não se tem que pensar.
Quem sobrevivia aos cenários catastróficos, semelhantes a batalhas de samurais? As pessoas que se prepararam.
O livro “Você Não É Tão Esperto Quanto Pensa”, de David McRaney, coloca:
De acordo com Johnson e Leach, o tipo de pessoa que sobrevive é o tipo de pessoa que se prepara para o pior e pratica de antemão… Tais pessoas não precisam deliberar durante a calamidade, uma vez que já passaram pela deliberação que as outras pessoas estão apenas começando.
E toda essa reflexão sobre a morte?
“A visualização negativa” é uma das principais ferramentas do estoicismo antigo, e a ciência a comprova.
Pensar para valer sobre como as coisas podem piorar muitas vezes tem o efeito irônico de nos fazer perceber que não são tão ruins.
De minha entrevista com Oliver Burkeman, autor de “O Antídoto: Felicidade para Pessoas que Não Aguentam o Pensamento Positivo”:
Isso é o que os estoicos chamam de “premeditação” – que na verdade se obtém muita paz de espírito ao pensar detalhada, cuidadosa e conscientemente sobre como as coisas podem dar muito errado. Na maior parte dos casos você descobre que a ansiedade e os medos quanto a essas situações eram exagerados.
Certo, mas você não quer passar o dia inteiro treinando com espadas ou pensando na morte. Sinceramente, nem eu.
Então qual é a chave aqui?
Uma pesquisa mostra que a forma mais poderosa de combater o estresse ou a ansiedade – ficar calmo – é se sentir em controle.
Para os samurais, treinar incansavelmente e visualizar o pior lhes dava uma sensação de controle durante a batalha.
O marinha dos EUA aumentou muito a taxa de aprovação dos fuzileiros ensinando aos recrutas métodos psicológicos de obter a sensação de estar em controle.
Sem essa sensação, quando o estresse aumenta não conseguimos pensar direito.
Em “O Trabalho e o Cérebro: Estratégias para Superar Distração, Obter Foco e Trabalhar de Forma Mais Inteligente o Dia Todo” está escrito:
Amy Arnsten estuda os efeitos da estimulação do sistema límbico no funcionamento do córtex prefrontal. Durante uma entrevista filmada em seu laboratório em Yale ela resume a importância de um senso de controle para o cérebro: “A perda da função pré-frontal só ocorre quando nos sentimos sem controle. É o próprio córtex pré-frontal que determina se estamos em controle ou não. Se mantivermos pelo menos a iluão do controle, ficam preservadas as funções cognitivas.” Essa percepção de estar em controle é uma motivação muito importante no comportamento.
Qualquer coisa que lhe dê uma sensação de controle sobre uma determinada situação o ajuda a ficar calmo.
Então como conseguimos isso?
Mais informação? Prática? Ajuda dos outros?
Vou dizer o que vai o ajudar a manter a calma como um samurai.
Repare que eu disse “sentimento de controle” – não precisa ser controle verdadeiro, só a sensação de estar em controle já faz maravilhas.
Até mesmo um talismã pode ajudar – porque talismãs realmente funcionam.
Amuletos nos dão uma sensação de controle, e essa sensação de controle realmente faz as pessoas desempenharem melhor.
De “O Quociente Coragem: Como a Ciência Pode Fazer Você Mais Valente”:
…as pessoas que tinham talismãs tiveram um desempenho significativamente maior do que as pessoas que não os tinham. É isso mesmo, ter um talismã o fará jogar golfe melhor, se for o que você gosta, e melhorar seu desempenho cognitivo em tarefas tais como jogos de memória.
Resumo
Sei que alguns de vocês estão pensando: “Calma? Os samurais não eram aqueles caras sempre gritando pra valer agitando a espada acima da cabeça?”
Ocorre que aquela era uma tática deliberada para assustar os inimigos. Musashi explica:
No combate um a um, também é preciso tirar vantagem de pegar um inimigo desprevenido a fim de derrotá-lo, assustando-o com seu corpo, espada ou voz… No combate individual, para perturbar o inimigo, cortamos com a lâmina curta e gritamos “Ei!” simultaneamente, e quando ele está se recuperando do grito, cortamos com a espada longa.
Sorrateiro. Esse é o tipo de ideia esperta que vem de uma cabeça fria.
Os samurais eram grandes guerreiros. Eles lutavam contra seus inimigos em batalhas épicas.
Mas como Musashi e outros deixam claro em seus escritos sobre calma, a batalha mais importante é vencer a si mesmo.
Do “Livro dos Cinco Anéis”:
Hoje é o dia de sua vitória perante o que você era ontem; amanhã é o dia de sua vitória sobre os homens inferiores.
~ Luciano Ribeiro para o Papo de Homem.
Bacana 🙂
CurtirCurtir